quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Do Lugar de Nelas à Formação do Concelho… VII

A Freguesia de Nelas em 1758
No dia 10 de Maio de 1758, era cura da igreja da Nossa Senhora da Conceição de Nelas o padre José Teodoro do Amaral. Recebeu este a incumbência de responder ao questionário acerca do estado da povoação, que lhe fora dirigido por circular pelo prelado de Viseu, D. Júlio Francisco de Oliveira.
O inquérito não variava em relação aos que a coroa havia enviado às autoridades religiosas do reino e que constituem hoje uma fonte histórica de consulta obrigatória para conhecer a situação das várias freguesias na época posterior ao terramoto de 1755. A resposta do pároco de Nelas afigura-se, pois, da maior importância quanto a esta freguesia do concelho de Senhorim e anexa à sua igreja de Santa Maria, integrada desde sempre na diocese e comarca de Viseu.
A freguesia de Nelas pertencia ao padroado da coroa e não tinha donatários, contando ao tempo 247 fogos num total correspondente a 385 habitantes. Sendo o lugar cabeça de freguesia, dele faziam parte o lugar de Algirás, com 47 fogos e 160 pessoas; o lugar de Folhadal, com 75 fogos e 248 pessoas; a Póvoa da Roçada, com 3 fogos e 16 pessoas; e, por fim, a póvoa da Venda do Gato, com igual número de fogos e 15 pessoas. A igreja estava situada fora do lugar de Nelas, constituindo o centro da vida religiosa na região envolvente. A justiça era regida por um juiz, um procurador e um escrivão eleitos anualmente, ainda que dependentes do corregedor da comarca de Viseu. Quanto à casa da audiência, cadeia e pelourinho, dependentes do concelho de Senhorim, estavam situados na freguesia de Vilar Seco.
O cura Teodoro do Amaral traça depois a descrição geográfica do lugar: "Nelas é cabeça de freguesia e está situada em campina e dele se descobre a vila de Gouveia, a vila de Seia, a vila de S. Romão, o lugar de Touraes e o de Paranhos e o de Santa Marinha, casas, povoações ficam nas abas da serra da Estrela e no bispado de Coimbra. As ditas vilas ficam em distância de quatro léguas e na de duas o lugar de Touraes e o de Paranhos uma, e estas ficam mais distantes da serra: O lugar de Santa Marinha fica em distância de quatro léguas e vizinho à mesma serra. O lugar de Algirás, que é também da mesma freguesia de Nelas, fica situado em campina descoberta e o do Folhadal fica em um monte e a Póvoa da Roçada fica em vale e a Póvoa da venda do Gato fica em campina e junto da estrada real que vai de Almeida para a Corte".
A povoação não dispunha, ao tempo, de casa da Misericórdia ou de hospital, nem existia nas redondezas qualquer convento de frades ou monjas. A igreja tinha por orago Nossa Senhora da Conceição, dispondo de três altares com o altar-mor ao meio, mas desprovido de nave.
No lado da Epístola encontrava-se a imagem do apóstolo Santiago metida na parede, sendo dela administradores João Ferreira de Abreu, morador no lugar da Lousã, e António José Morais, que vivia em Nelas. Nos dois altares colaterais viam-se: no lado da Epístola, a imagem de Nossa Senhora do Rosário, ladeada pelas de S. Miguel e Santo António, e no lado Evangelho, a imagem do mártir S. Sebastião. Acrescenta o pároco; "e a todas estas imagens se fazem anualmente festas na dita igreja e não há nela mais que a irmandade do anjo S. Miguel. E o sacrário está colocado no altar mayor".
O padre José Teodoro do Amaral apresentado pelo vigário da matriz de Santa Maria de Senhorim, que era do padroado da coroa. A côngrua da cura de Nelas, era de 6.800 reis, dois alqueires de trigo para hóstias, e dois almudes de vinho para as missas, e mais o rendimento do pé do altar. Dentro do lugar erguera-se, em data não referida, uma ermida a Santo Cristo com celebração anual em 3 de Maio, "dia da Invenção da Santa Cruz". À festa acorriam somente os moradores da freguesia e nem sempre havia sermão por serem parcos os rendimentos da ermida. Outras ermidas existiam nos lugares ao redor: em Algirás, um altar cujos oragos eram S. Domingos e S. Jorge com sermão e procissão anuais; e, com maior fervor religioso, a capela consagrada a Nossa Senhor da Tosse, no lugar de Folhadal, com celebração na segunda oitava da Páscoa.
Quanto às produções da terra, acrescenta-se que eram, em maior quantidade, o milho grosso e o vinho, que chegava para consumo dos moradores e uma parte ainda enviada para fora do país. A colheita de azeite costumava ser abundante, mas ficava toda na freguesia. Quanto à produção do trigo e do centeio era fraca e ainda menor a da cevada, o que ocorria igualmente com a fruta. No distrito da freguesia passava o rio conhecido por castelo, sem dúvida o antigo Rio dos Asnos que era afluente do Mondego. Neste havia abundância de peixes, sobretudo de barbos, bogas e enguias, cuja pesca se efectuava nos meses de Junho a Agosto. Refere-se em seguida: "Suas pescarias são comuns para todos e só algumas pessoas principais que nele têm algumas levadas lhes guardam respeito os pescadores e não lhe vão a elas pescar".
Numa alusão às caldas hoje chamadas da Felgueira, o pároco esclarece: "Não há nele fonte nem lagoa célebre mais do que a fonte ou ribeiras das Caldas, que divide esta freguesia da de Canas de Senhorim, cuja água tem virtude para banhos quentes". Também as águas do Mondego gozavam, ao tempo, de alguma fama: "são especiais e virtuosas para aquellas queixas que tem o seu remédio nos banhos frescos". Aliás, o curso do grande rio, nas vizinhanças de Nelas, não era "arrebatado" antes sim corre pelas suas áreas com sossego e sem susurro grande das suas águas".
Na freguesia de Nelas, laboravam em água do Mondego três moinhos de moer pão e no rio Castelo estavam quatro azenhas em funcionamento. Não refere o pároco a existência de qualquer ponte, a não ser Ponte Nova, de pedra e cantaria com três arcos, que era o local obrigatório de comunicação para o bispado de Coimbra e a Serra da Estrela.
A parte final da resposta ao inquérito do estado de Nelas no ano de 1758, não deixa de comprovar o diminuto valor em tradições e valores que a terra possuía: "Não há memória que desta terra e freguesia florescessem alguns homens insignes em virtudes, letras ou armas e não tem feira franca nem cativa, mas somente naquele dia da festividade de Nossa Senhora da Tosse se armam algumas tendas e se vendem coisas comestíveis no lugar de Folhadal. Não tem correios e se servem as pessoas para a comunicação com o da cidade de Viseu, que dista três léguas". O pároco Teodoro do Amaral continua a enunciar a falta de valores históricos: "Não tem privilégios, antiguidades e outras coisas dignas de memória (...) Não há porto de mar. Não há na terra praça de armas nem castelo (...) Não há nesta freguesia coisa alguma que mereça fazer-se dela memória".
E para concluir a resposta ao questionário, o pároco afirma não haver notícias de jamais se extrair da terra envolvente ouro ou outro metal. Uma curiosa referência, aliás notória, em outros povoados do reino, declara que os moradores desta freguesia usavam livremente de suas águas para fertilidade de suas terras. A conclusão de depoimento não deixa de ser clara e objectiva: Não há coisa alguma notável mais nesta freguesia, nem as pude indagar por notícias que as tenho referidas neste papel, para que fiz todas as diligências, como súbito obediente".
Um século depois, graças à onda de progresso que se fez sentir no lugar de Nelas e seus arredores, era o mesmo elevado a vila e sede do concelho que antes fora de Canas de Senhorim. Vale a pena reunir alguns dados históricos que permitem compreender essa ascensão municipal.

Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão
Presidente da Academia Portuguesa da História

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